“Precisei mostrar muito mais para poder estar onde estou hoje”

 Quais as razões que a levaram a escolher a atividade que exerce?
Tinha de ser, a ligação à natureza, à vinha e ao vinho é muito profunda. Nasci em 1977 em Monção, uma terra profundamente ligada à cultura do vinho e numa família onde essa cultura sempre fez parte do nosso dia-a-dia. Cresci no meio de vinhas e vindimas e em minha casa também se fazia vinho. Mas, na altura, eu não ligava muito, talvez por estar muito próxima, e deixava para os “homens da casa”.  Mas as nossas raízes e as nossas vivências contam muito e a verdade é que hoje me sinto totalmente ligada à terra, à vinha e ao vinho. Precisei de viver outras experiências para perceber o quão forte e profunda esta ligação é.

Após licenciatura em bioquímica na Faculdade de Ciências do Porto, fui convidada para trabalhar num projeto de Investigação na área dos vinhos pela Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, onde permaneci de 2000 a 2004. Durante esse período mergulhei completamente no estudo da ciência enológica, imprescindível ao desenvolvimento do meu trabalho, criando laços muito fortes com a Enologia. Quando surgiu a primeira edição da pós-graduação em Enologia na Católica, em 2002, decidi realizá-la, pois, queria aprofundar mais os meus conhecimentos em áreas mais práticas da enologia, fazendo também mais tarde, já a trabalhar na Falua, o Mestrado em Enologia.

Em 2004 surge o convite para ir trabalhar para o Grupo João Portugal Ramos, primeiro apenas na Falua e, a partir de 2010, também no projeto dos Vinhos Verdes que o grupo desenvolveu nessa região. Mantive a responsabilidade dos dois projetos, Falua e Vinhos Verdes, até 2019, ano em que deixei o Grupo João Portugal Ramos para assumir a direção geral do Grupo de Vinhos que o Grupo Roulier (detentor da Falua desde 2017) quer desenvolver em Portugal.

“Sempre acreditei, e acredito, que contam a capacidade e competência de cada um, para estar em determinado lugar, independentemente de se ser homem ou mulher.”

 Quais as barreiras que teve ultrapassar barreiras para chegar onde está?
Mentiria se dissesse que não existiram, mas não me marcaram de forma alguma e ainda me deram mais força, penso que devido ao facto de sempre me recusar a valorizar e a pensar muito nisso.  Quando comecei éramos muito menos mulheres no mundo dos vinhos e em cargos de direção, mas a situação é hoje já um pouco diferente.  Sempre acreditei, e acredito, que contam a capacidade e competência de cada um, para estar em determinado lugar, independentemente de se ser homem ou mulher. E assim tenho feito o meu percurso, agarrando os projetos em que acredito com convicção, dedicação, paixão e profissionalismo.

“Obviamente, que ser mulher e desempenhar uma função que desde sempre foi mais masculina traz alguma diferenciação. Mas tenho a certeza de que o percurso foi muito mais difícil e exigente, por vezes injusto e duro, e precisei mostrar muito mais para poder estar onde estou hoje. Mas faria tudo outra vez!”

Ser mulher revelou-se, nalgum momento da sua carreira, um fator diferenciador?
É uma pergunta difícil. Cada um de nós é um fator diferenciador em momentos determinados. Obviamente que ser mulher e desempenhar uma função que desde sempre foi mais masculina traz alguma diferenciação. Mas tenho a certeza de que o percurso foi muito mais difícil e exigente, por vezes injusto e duro, e precisei mostrar muito mais para poder estar onde estou hoje. Mas faria tudo outra vez!

A pergunta para o milhão – O que teve de lutar ou de abdicar para aqui chegar?
É uma longa história... Acima de tudo houve muita entrega e dedicação aos projetos que abracei. É a minha forma de estar. Quando estou, estou a cem por cento e trabalho com muita paixão.  Estudei muito, trabalhei muito, ultrapassei obstáculos e especializei-me em diversas áreas dentro do universo dos vinhos. Tive de definir muito bem as prioridades e abdicar de muitas coisas. Sou muito ligada à família, e por isso geri sempre tudo para poder estar o mais presente possível. Mas não é fácil e nem sempre conseguimos – foi e continua a ser fundamental o apoio e suporte da minha família nesta difícil gestão. Dividi, assim, a minha vida entre o trabalho e a família nos últimos anos, e sinto que o que mais tem ficado para depois é a minha vida social, os amigos, os passatempos preferidos, mas um dia regressarei...

Há alguma figura feminina que seja para si uma referência ou inspiração, e porquê?
A minha Mãe, pela forma como encara as missões que a vida lhe vai reservando.  Uma grande mãe, filha, mulher e profissional, que ainda hoje continua a surpreender com a sua forma de ser, de estar e de encarar a vida.